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CONSIDERAÇÃO SOBRE O TEXTO

CONSIDERAÇÃO SOBRE O TEXTO

Considerações sobre a noção de texto

Sem dúvida alguma, a palavra texto é familiar a qualquer pes­soa ligada à prática escolar. Ela aparece com alta freqüência no lin­guajar cotidiano tanto no interior da escola quanto fora de seus limi­tes. Não são estranhas a ninguém expressões como as que seguem: "re­dija um texto", "texto bem elaborado", "o texto constitucional não está suficientemente claro", "os atores da peça são bons mas o texto é ruim", "o redator produziu um bom texto", etc. Por causa exata­mente dessa alta freqüência de uso, todo estudante tem algumas no­ções sobre o que significa texto. Dentre essas noções, algumas ganham importância especial para redação, que se propõe ensinar a ler e a escrever textos.

Nesta lição introdutória, vamos fazer duas considerações fun­damentais sobre a natureza do texto:

Primeira consideração: o texto não é um aglomerado de frases.

A revista Veja de 1 de junho de 1988, em matéria publicada nas páginas 90 e 91, traz uma reportagem sobre um caso de corrupção que envolvia, como suspeitos, membros ligados à administração do go­verno do Estado de São Paulo e dois cidadãos portugueses dispostos a lançar um novo tipo de jogo lotérico, designado pelo nome de "Ras­padinha". Entre os suspeitos figurava o nome de Otávio Ceccato, que, no momento, ocupava o cargo de secretário de Indústria e Comércio e que negava sua participação na negociata.

O fragmento que vem a seguir, extraído da parte final da referi­da reportagem, relata a resposta de Ceccato aos jornalistas nos seguintes termos:

Na sua posse como secretário de Indústria e Comércio, Cecca­to, nervoso, foi infeliz ao rebater as denúncias. "Como São Pedra, nego, nego, nego", disse a um grupo de repórteres, referindo-se à conhecida passagem em que São Pedro negou conhecer Jesus Cris­to três vezes na mesma noite. Esqueceu-se de que São Pedro, na­quele episódio, disse talvez a única mentira de sua vida. (Ano 20. 22:91.)

Como se pode notar, a defesa do secretário foi infeliz e desas­trosa, produzindo efeito contrário ao que ele tinha em mente.

A citação, no caso, ao invés de inocentá-Io, acabou por com­prometê-Io.

Sob o ponto de vista da análise do texto, qual teria sido a razão do equívoco lamentável cometido pelo secretário? Sem dúvida, a res­posta é esta: ao citar a passagem bíblica, o acusado esqueceu-se de que ela faz parte de um texto e, em qualquer texto, o significado das frases não é autônomo.

Desse modo, não se pode isolar frase alguma do texto e tentar conferir-lhe o significado que se deseja. Como bem observou o repór­ter, no episódio bíblico citado pelo secretário, São Pedro, enquanto Cristo estava preso, foi reconhecido como um de seus companheiros e, ao ser indagado pelo soldado, negou três vezes seguidas conhecer aquele homem. Segundo a mesma Bíblia, posteriormente Pedro arre­pendeu-se da mentira e chorou copiosamente.

Esse relato serve para demonstrar de maneira simples e clara que uma mesma frase pode ter significados distintos dependendo do con­texto dentro do qual está inserida. O grande equívoco do secretário, para sua infelicidade, foi o de desprezar o texto de onde ele extraiu a frase, sem se dar conta de que, no texto, o significado das partes depende das correlações que elas mantêm entre si.

Isso nos leva à conclusão de que, para entender qualquer passa­gem de um texto, é necessário confrontá-Ia com as demais partes que o compõem sob pena de dar-lhe um significado oposto ao que ela de fato tem.

Em outros termos, é necessário considerar que, para fazer uma boa leitura, deve-se sempre levar em conta o contexto em que está in­serida a passagem a ser lida.

Entende-se por contexto uma unidade lingüística maior onde se encaixa uma unidade lingüística menor. Assim, a frase encaixa-se no contexto do parágrafo, o parágrafo encaixa-se no contexto do capítulo, o capítulo encaixa-se no contexto da obra toda.

Uma observação importante a fazer é que nem sempre o contex­to vem explicitado lingüisticamente. O texto mais amplo dentro do qual se encaixa uma passagem menor pode vir implícito: os elementos da situação em que se produz o texto podem dispensar maiores escla­recimentos e dar como pressuposto o contexto em que ele se situa.

Para exemplificar o que acaba de ser dito, observe-se um minús­culo texto como este:

 A nossa cozinheira está sem paladar.

Podem-se imaginar dois significados completamente diferentes para esse texto dependendo da situação concreta em que é produzido.

Dito durante o jantar, após ter-se experimentado a primeira co­lher de sopa, esse texto pode significar que a sopa está sem sal; dito para o médico no consultório, pode significar que a empregada pode estar acometida de alguma doença.

Para finalizar esta primeira consideração, convém enfatizar que toda leitura, para não ser equivocada, deve necessariamente levar em conta o contexto que envolve a passagem que está sendo lida, lem­brando que esse contexto pode vir manifestado explicitamente por pa­lavras ou pode estar implícito na situação concreta em que é produzido.

Segunda consideração: todo texto contém um pronunciamento den­tro de um debate de escala mais ampla.

Nenhum texto é uma peça isolada, nem a manifestação da indi­vidualidade de quem o produziu. De uma forma ou de outra, constrói-se um texto para, através dele, marcar uma posição ou participar de um debate de escala mais ampla que está sendo travado na sociedade. Até mesmo uma simples notícia jornalística, sob a aparência de neutrali­dade, tem sempre alguma intenção por trás.

Observe-se, a título de exemplo, a passagem que segue, extraída da revista Veja do dia 1 de junho de 1988, página 54.

CRIME TIRO CERTEIRO

Estado americano limita porte de armas.

No começo de 1981, um jovem de 25 anos chamado John Hinckley Jr. entrou numa loja de armas de Dallas, no Texas, preen­cheu um formulário do governo com endereço falso e, poucos mi­nutos depois, saiu com um Saturday Night Special - nome criado na década de 60 para chamar um tipo de revólver pequeno, barato e de baixa qualidade. Foi com essa arma que Hinckley, no dia 30 de março daquele ano, acertou uma bala no pulmão do presidente Ro­nald Reagan e outra na cabeça de seu porta-vo, James Brady. Rea­gan recuperou-se totalmente, mas Brady desde então está preso a uma cadeira de rodas. (...)

Seguramente, por trás da notícia, existe, como pressuposto, um pronunciamento contra o risco de vender arma para qualquer pessoa, indiscriminadamente.

Para comprovar essa constatação, basta pensar que os fabrican­tes de revólveres, se pudessem, não permitiriam a veiculação dessa notícia.

O exemplo escolhido deixa claro que qualquer texto, por mais objetivo e neutro que pareça, manifesta sempre um posicionamento frente a uma questão qualquer posta em debate.

Ao final desta lição, devem ficar bem plantadas as seguintes conclusões:

a)       Uma boa leitura nunca pode basear-se em fragmentos isolados do texto, já que o significado das partes sempre é determinado pelo contexto dentro do qual se encaixam;

b)       Uma boa leitura nunca pode deixar de apreender o pronunciamen­to contido por trás do texto, já que sempre se produz um texto pa­ra marcar posição frente a uma questão qualquer.