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TIPOLOGIA TEXTUAL

TIPOLOGIA TEXTUAL

Narração

 

As pessoas habituadas a ler já tomaram contato com textos dos mais variados tipos e já perceberam que - dadas as inúmeras diferenças que os distinguem - é possível classificá-los de maneiras as mais diversas: textos poéticos e textos científicos; textos em ver­so e textos em prosa; textos políticos e textos religiosos, e muitas ou­tras formas de classificação.

Nesta lição e na seguinte vamos tratar de uma classificação que já se implantou na tradição escolar e que se revela útil tanto pa­ira a leitura quanto para a produção de textos. Referimo-nos ao há­bito de classificar os textos em: descritivos, narrativos e dissertativos.

É bem verdade que, na maioria das vezes, não encontramos um texto em estado puro, já que o descritivo, o narrativo e o dissertativo podem interpolar-se num único texto. Isso não impede que, por conveniência didática, se estude cada um desses tipos de texto separadamente. Nesta lição, vamos ocupar-nos da narração.

Texto narrativo é aquele que relata as mudanças progressivas de estado que vão ocorrendo com as pessoas e as coisas através do tempo. Nesse tipo de texto, os episódios e os relatos estão organiza­dos numa disposição tal que entre eles existe sempre uma relação de anterioridade ou de posterioridade. Essa relação de anteriorida­de ou posterioridade é sempre pertinente num texto narrativo, mes­mo quando ela venha alterada na sua seqüência linear por uma ra­zão ou por outra.

A título de ilustração, observe-se o pequeno texto a seguir:

1.       F. e P. nasceram do mesmo pai e da mesma mãe.

2.       A for­tuna, porém, não os assistiu com a mesma eqüidade: F. foi adota­do e criado por família ilustre; P. deixou-se ficar com os pobres pais.

3. F. tirou título de doutor; P. morreu aos 18 anos num tiro­teio com a polícia.

Como se vê, o pequeno texto acima é uma narração já que:

a)       relata mudanças de estado que foram ocorrendo com duas pes­soas (F. e P.);

b)       há relação de anterioridade e posterioridade entre os episódios re­latados.

Pode-se, para criar certos efeitos de sentido, mudar a seqüên­cia linear dos enunciados. Por exemplo, certas narrativas começam pelo fim e, depois, relatam, por meio da rememoração de algum personagem, o que deveria, na ordem cronológica, vir antes. Quan­do essas alterações são bem feitas, o leitor é sempre capaz de recons­tituir, de forma perfeita, a progressão linear.

Cabe observar, ainda, que um texto pode relatar transforma­ções de estado e não ser uma narração: basta que o texto não este­ja interessado em relatar os fatos sob o ponto de vista de sua progres­são no tempo.

Dessa forma, um texto pode relatar mudanças de estado e fi­xar-se mais numa reflexão crítica sobre essas mudanças. Pode não se interessar por narrar as diferentes etapas em que se desdobraram tais mudanças.

O texto que segue, por exemplo, não é uma narração, apesar de relatar uma mudança de estado:

No mundo medieval, o homem era capaz de administrar com competência quase todo o espaço que o rodeava e não tinha ne­cessidade da especialização. Ele era capaz de plantar o trigo e de moer o grão, de fabricar o azeite e a lamparina.

Hoje, um homem da cidade morre de fome se o agricultor não lhe fornece o grão já moído e fica na escuridão se o eletricis­ta não o socorre com sua assistência.

É que, no mundo medieval, a produção era menos diversifica­da que no mundo moderno e os bens de consumo existiam em me­nor quantidade.

Como se pode notar, apesar de relatar uma transformação que se processou na História, o texto acima não é narrativo, já que se atém mais a interpretar as razões dessas mudanças do que a narrar os vários passos que deram origem a elas.

 

Descrição

 

Leia o texto que segue:

Luzes de tons pálidos incidem sobre o cinza dos prédios. Nos bares, bocas cansadas conversam, mastigam e bebem em volta das mesas. Nas ruas, pedestres apressados se atropelam. O trânsi­to caminha lento e nervoso. Eis São Paulo às sete da noite.

Como se pode notar, esse texto relata variados aspectos de um certo momento da cidade de São Paulo. É um texto descritivo.

      Note-se que:

a)       todos os enunciados relatam ocorrências simultâneas;

b)       por isso não existe um enunciado que possa ser considerado cro­nologicamente anterior a outro;

c)       ainda que se fale de ações (conversam, atropelam, caminha), to­das elas estão no presente, não indicando, portanto, nenhuma transformação de estado;

d)       se invertêssemos a seqüência dos enunciados, não correríamos o risco de alterar nenhuma relação cronológica. Poderíamos inclusi­ve colocar o último enunciado em primeiro lugar e ler o texto do fim para o começo:

Eis São Paulo às sete da noite. O trânsito caminha lento e nervoso. Nas ruas, pedestres apressados se atropelam. Nos bares, bocas cansadas conversa, mastigam e bebem em volta das me­sas. Luzes de tons pálidos incidem sobre o cinza dos prédios.

Descrição é o tipo de texto em que se relatam as características de uma pessoa, de um objeto ou de uma situação qualquer, inscri­tos num certo momento estático do tempo.

O texto descritivo não relata, como o narrativo, as transforma­ções de estado que vão ocorrendo progressivamente com pessoas ou coisas, mas as propriedades e aspectos desses elementos num cer­to estado, considerado como se estivesse parado no tempo.

Como os fatos reproduzidos numa descrição são todos simultâ­neos, nesse tipo de texto não existe obviamente relação de anteriori­dade ou posterioridade entre os seus enunciados. Tanto isso é verda­de que a disposição dos enunciados descritivos pode ser alterada sem que se corra o risco de mudar nenhuma seqüência cronológica.

Nesses enunciados podem ocorrer verbos que exprimem ação, movimento, mas esses movimentos são sempre simultâneos, não in­dicando progressão de um estado anterior para outro posterior. Se ocorrer essa progressão, inicia-se o percurso narrativo.

O fundamental na descrição é que não haja progressão tempo­ral, isto é, que não se saia da relação de simultaneidade e que não se possa, portanto, considerar um enunciado anterior a outro.

Para iniciar o percurso narrativo, no exemplo dado no início desta lição, bastaria introduzir algum enunciado que indicasse a pas­sagem desse estado para um posterior, como, por exemplo:

... Eis São Paulo às sete da noite. Mas, às nove, o panorama é outro: o trânsito vai diminuindo, os pedestres escasseando...

 

Dissertação

 

Leia o texto que segue:

 O brasileiro, nos últimos anos, tem revelado uma profunda descrença nas instituições políticas do país. Vários fatores têm concorrido para isso. Entre eles, podem se citar a incapacidade do governo de controlar o processo inflacionário, a impunidade dos que fazem mau uso do dinheiro público e o mau funcionamen­to dos legislativos.

Esse texto é dissertativo. Dissertação é o tipo de texto que ana­lisa e interpreta dados da realidade por meio de conceitos abstratos.

Na descrição e na narração, predominam termos concretos, que se referem as pessoas ou coisas do mundo real ou presumivelmen­te real.

Na dissertação, predominam os conceitos abstratos, isto é, a re­ferência ao mundo real se faz através de conceitos amplos, de mode­los genéricos, muitas vezes abstraídos do tempo e do espaço. O dis­curso dissertativo mais típico é o discurso da ciência e da filosofia; nele, as referências ao mundo concreto só ocorrem como recursos de argumentação, para ilustrar leis ou teorias gerais.

A descrição relata propriedades e aspectos de um objeto parti­cular concreto (uma paisagem, uma casa, um personagem, um ros­to) situado num momento definido do tempo; a dissertação interpre­ta, através de modelos teóricos, um objeto genérico (a espacialidade, o sistema arquitetônico, o brasileiro, a personalidade do homem, a fisionomia) abstraído de suas características individualizantes.

Na descrição, como se relatam aspectos simultâneos de um ob­jeto, não há relação de anterioridade e posterioridade entre os enun­ciados. Na dissertação, em princípio, não existe uma progressão tem­poral entre os enunciados. Nesse tipo de texto, no entanto, os enun­ciados guardam entre si relações de natureza lógica, isto é, relações de implicação (causa e efeito; um fato e sua condição; uma premis­sa e uma conclusão; etc.).

 Vamos confrontar os três tipos de texto, retomando o exemplo que já propusemos anteriormente, como modelo de descrição:

a) Descrição

Eis São Paulo às sete da noite. O trânsito caminha lento e nervoso. Nas ruas, pedestres apressados se atropelam. Nos bares, bocas cansadas conversam, mastigam e bebem em volta das me­sas. Luzes de tons pálidos incidem sobre o cinza dos prédios.

Já vimos que se trata de uma descrição, pois:

1.        são relatados vários aspectos concretos de um lugar concreto (São Paulo) num ponto estático do tempo (às sete da noite);

2.        tudo é simultâneo - ou concebido como se fosse simultâneo -, e não há progressão temporal entre os enunciados.

b) Narração

Eram sete horas da noite em São Paulo e a cidade toda se agitava naquele clima de quase tumulto típico dessa hora. De re­pente, uma escuridão total caiu sobre todos como uma espessa lo­na opaca de um grande circo. Os veículos acenderam os faróis al­tos, insuficientes para substituir a iluminação anterior.

Esse texto é narrativo, pois:

1.        relata fatos concretos, num espaço concreto e num tempo definido;

2.        os fatos narrados não são simultâneos como na descrição: há mu­dança de um estado para outro, e, por isso, entre os enunciados existe uma relação de anterioridade e posterioridade.

c) Dissertação

As condições de bem-estar e de comodidade nos grandes cen­tros urbanos como São Paulo são reconhecidamente precárias por causa, sobretudo, da densa concentração de habitantes num espa­ço que não foi planejado para alojá-Ios. Com isso, praticamente to­dos os pólos da estrutura urbana ficam afetados: o trânsito é len­to; os transportes coletivos, insuficientes; os estabelecimentos de prestação de serviço, ineficazes.

Como se pode notar, esse texto é nitidamente dissertativo, pois:

1.        interpreta e analisa, através de conceitos abstratos, os dados con­cretos da realidade; os dados concretos que nele ocorrem funcio­nam apenas como recursos de confirmação ou exemplificação das idéias abstratas que estão sendo discutidas; o grau de abstra­ção é mais alto do que o dos dois anteriores;

2.        ainda que na dissertação não exista, em princípio, progressão tem­poral entre os enunciados, eles mantêm relações lógicas entre si, o que impede de se alterar à vontade sua seqüência.

A dissertação pode falar de transformações de estado, mas fala de um modo diferente da narração. Enquanto esta é um texto figura­tivo, aquela é um texto temático. Por isso, enquanto a finalidade e principal da narração é o relato das transformações, o objetivo pri­meiro da dissertação é a análise e a interpretação das transforma­ções relatadas.

Convém ressaltar que não é correto pensar que somente a dis­sertação manifesta um ponto de vista crítico do produtor do texto sobre o objeto posto em discussão.

Com efeito, nos três tipos de discurso, explícita ou implicita­mente, está sempre presente o ponto de vista ou a opinião de quem os produz.

      O que distingue um do outro é o modo como esse ponto de vis­ta ou essa opinião vêm manifestados.

      Na dissertação, o enunciador do texto manifesta explicitamen­te sua opinião ou seu julgamento, usando para isso conceitos abstratos.

Na descrição, o enunciador, pelos aspectos que seleciona, pela adjetivação escolhida e outros recursos, vai transmitindo uma ima­gem negativa ou positiva daquilo que descreve.

Na narração, a visão de mundo do enunciador é transmitida por meio das ações que ele atribui aos personagens, por meio da ca­racterização que faz deles ou das condições em que vivem, e, até mesmo, por comentários sobre os fatos que ocorrem.

Todo texto narrativo é figurativo e, como já se viu, por trás do jogo das figuras sempre existe um tema implícito. Ao narrar as ações de um monarca, ao descrever o espaço em que ele circula, as suas características físicas, o enunciado pode enaltecer ou desmoralizar a monarquia.

Geralmente, para depreender a visão de mundo implícita nas narrações, é preciso levar em conta que por trás das figuras existem temas, que por trás dos significados de superfície existem significa­dos mais profundos.

 

Argumentação

 

Um dos aspectos importantes a considerar quando se lê um texto é que, em princípio, quem o produz está interessado em conven­cer o leitor de alguma coisa. Todo texto tem, por trás de si, um pro­dutor que procura persuadir o seu leitor (ou leitores), usando para tanto vários recursos de natureza lógica e lingüística.

Chamamos procedimentos argumentativos a todos os recursos acionados pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a crer na­quilo que o texto diz e a fazer aquilo que ele propõe.

Para ter idéia de alguns desses procedimentos argumentativos, vamos ler um fragmento de um dos sermões de Padre Antônio Viei­ra, no qual ele tenta explicitar certos recursos que o pregador deve usar para que o sermão cumpra o papel de persuasão ou convencimento:

(...) O sermão há de ser duma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria.

Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-Ia para que se conheça, há de dividi-Ia para que se distinga, há de prová-Ia com a Escritura, há de declará-Ia com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-Ia com as causas, com os efeitos, com as circunstâcias, com as conveniências que se hão de seguir, com os incovenientes que se devem evitar, há de responder às dúvi­das, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloqüência os argumentos contrários, e depois dis­to há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da mes­ma matéria, e continuar e acabar nela.

(Sermão da Sexagésima. In: -. Os sermões. São Paulo. Difel. 1968. VI. p. 99.)

Tomando o fragmento citado como ponto de partida, podemos inferir alguns dos recursos argumentativos que um texto deve conter para ser convincente ou persuasivo.

A primeira qualidade que Vieira aponta é que o texto deve ter unidade, isto é, deve tratar de “um só objeto”, “uma só matéria”. Essa qualidade é um dos mais importantes recursos argumenta­tivos já que um texto dispersivo, cheio de informações desencontra­das não é entendido por ninguém: fica-se sem saber qual é seu objeto central. O texto que fala de tudo acaba não falando de nada.

Mas é preciso não confundir unidade com repetição ou redun­dância. O próprio fragmento que acabamos de ler adverte que o texto deve ter variedade desde que essa variedade explore uma mesma ma­téria, isto é, comece, continue e acabe dentro do mesmo tema central.

Outro recurso argumentativo apontado no texto de Vieira é a Com­provação das teses defendidas com citações de outros textos autoriza­dos. Como sacerdote que é, sugere as citações das Sagradas Escritu­ras, já que, segundo sua crença, são elas a fonte legítima da verdade.

O que Vieira diz sobre os sermões vale para qualquer outro tex­to, desde que não se tome ao pé da letra o que ele diz sobre as Sagra­das Escrituras. Um texto ganha mais peso quando, direta ou indireta­mente, apóia-se em outros textos que trataram do mesmo tema.

Costuma-se chamar argumento de autoridade a esse recurso à citação.

O texto aconselha ainda que o pregador, ao elaborar o seu ser­mão, use o raciocínio ou a razão para estabelecer correlações lógicas entre as partes do texto, apontando as causas e os efeitos das afirma­ções que produz.

Esses recursos de natureza lógica dão consistência ao texto, na medida em que amarram com coerência cada uma das suas partes. Um texto desorganizado, sem articulação lógica entre os seus segmen­tos, não é convincente, não é persuasivo.

Além disso, o pregador deve cuidar de confirmar com exemplos adequados as afirmações que faz. Uma idéia geral e abstrata ganha mais confiabilidade quando vem acompanhada de exemplos concre­tos adequados. Os dados da realidade observável dão peso a afirma­ções concretas.

Um último recurso argumentativo apontado pelo texto de Viei­ra é a refutação dos argumentos contrários. Na verdade, sobretudo quando se trata de um tema polêmico, há sempre versões divergentes sobre ele. Um texto, para ser convincente, não pode fazer de conta que não existam opiniões opostas àquelas que se defendem no seu interior. Ao contrário, deve expor com clareza as objeções conhecidas e refutá-las com argumentos sólidos.

          Esses são alguns dos recursos que podem ser explorados pelo produtor do texto para conseguir persuadir o leitor.

          Além desses há outros procedimentos argumentativos que serão explorados em lições posteriores.

O que interessa destacar nesta lição é o fato de que a argumenta­ção está sempre presente em qualquer texto. Por argumentação deve­-se entender qualquer tipo de procedimento usado pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a dar sua adesão às teses defendidas pelo texto.